wilson Livro sobre primeiro álbum da banda Legião Urbana expõe crises e tensões em relato com estatura de reportagem
A banda Legião Urbana em imagem promocional do primeiro álbum, lançado em 1985, há 40 anos
Maurício Valladares / Divulgação
♫ OPINIÃO SOBRE LIVRO
Título: Será!
Autor: José Emilio Rondeau
Cotação: ★ ★ 1/2
♬ Não, José Emilio Rondeau não escreveu um livro sobre o primeiro álbum da Legião Urbana, gravado no segundo semestre de 1984 e lançado no início de 1985. O que o jornalista e roteirista elaborou foi alentada reportagem sobre a feitura de LP que, ao ser lançado há 40 anos, projetou em escala nacional a banda brasiliense que se tornaria a maior do rock brasileiro.
Só que, em vez de o material ser publicado em veículos que aprofundam assuntos, como a revista Piauí, foi editado na forma de livro, Será!, publicado pela editora Máquina de Livros. Um pocket book. Em bom português, um simpático livrinho de 112 páginas que pode ser lido em duas horas ou menos.
Por ter se oferecido à diretoria da gravadora EMI para produzir o álbum Legião Urbana, Rondeau é personagem importante na trama de tensões que o jornalista reconstitui a partir de entrevistas com os dois integrantes ainda vivos da banda – o guitarrista Dado Villa-Lobos e o baterista Marcelo Bonfá – e também com Amaro Moço (o então iniciante técnico de som escalado para gravar o disco pelo já notório jogo de cintura para lidar com estrelas em ebulição nos estúdios), Fernanda Villa-Lobos (empresária da banda de 1984 a 1987) e Mayrton Bahia (produtor que captou as aspirações da banda desde que ouviu a lendária fita que circulou em mãos certas ao longo de 1984).
Diante de Rondeau, todos recordam e avaliam o processo de gravação do álbum que gerou sucessos radiofônicos como Será, Ainda é cedo e Geração coca-cola. Músicas cujas letras saíram da mente inquieta de Renato Russo (1960 – 1996), mentor e vocalista da Legião Urbana, cantor de voz potente que adquiriria tons messiânicos a partir do álbum As quatro estações (1989).
Russo também era o baixista do grupo, mas passou o instrumento para as mãos de Renato Rocha (1961 – 2015), músico mais competente do que os colegas, mas quase um alien no universo punk de Brasília (DF) naquela primeira metade da década de 1980. Aliás, o relato cru do livro evidencia a inabilidade de Bonfá para atender algumas solicitações do técnico de som Amaro Moço e do próprio Rondeau.
Antes de entrar em detalhes técnicos sobre a construção de cada uma das 11 faixas do álbum Legião Urbana, o autor expõe as crises que quase fizeram a Legião desistir do disco por total falta de afinidade com os dois produtores, Marcelo Sussekind e Rick Ferreira, indicados por Jorge Davidson, diretor artístico da EMI na época (Rick foi o segundo nome pensado quando desandou a relação da banda com Sussekind e Davidson cogitou moldar o som da banda como um counrtry-rock à moda de Bob Seger, proposta sumariamente recusada pelos músicos).
A rigor, Rondeau se ofereceu para apagar um incêndio que, se não tivesse sido controlado a tempo, teria se alastrado e mudado a história do rock brasileiro.
Entre tapas e rusgas, o álbum ficou pronto com um som polido que, sem trair o espírito punk da Legião Urbana naqueles primeiros anos, apontou caminhos sonoros que seriam trilhados em discos anteriores (o tom introspectivo da faixa final, a balada Por enquanto, sinalizou o som de parte do posterior álbum Dois no ano seguinte).
Entre as curiosidades do livro, Rondeau conta que tema dançante de aura synth pop chegou a ser considerado para carro-chefe do álbum, mas acabou limado do disco, voltando no segundo álbum da Legião, o já mencionado Dois (1986), reformulado e com o título Daniel na cova dos leões.
A leitura de Será! resulta agradável, mas sem apagar a impressão de que o conteúdo resultou ralo para um livro, embora mais do que suficiente para uma robusta reportagem sobre o histórico álbum Legião Urbana.
Capa do álbum ‘Será!’, de José Emilio Rondeau
Maurício Valladares com arte de Ricardo Leite
Fonte: G1