webradio016 Mauro Cid afirma que Bolsonaro recebeu, leu e alterou a minuta golpista, mantendo a ordem de prisão contra Moraes
O ministro Alexandre de Moraes deu início, nesta segunda-feira (9), aos interrogatórios dos réus no julgamento sobre a tentativa de golpe de Estado. O delator Mauro Cid foi o primeiro a falar. Em interrogatório, Mauro Cid afirma que Bolsonaro recebeu, leu e alterou a chamada minuta do golpe
O ministro da Primeira Turma do STF Alexandre de Moraes deu início, nesta segunda-feira (9), aos interrogatórios dos réus no julgamento sobre a tentativa de golpe de Estado. O delator Mauro Cid foi o primeiro a ser ouvido. Ele falou que o então presidente Jair Bolsonaro recebeu, leu e alterou a chamada minuta do golpe.
Pela primeira vez na história do STF - Supremo Tribunal Federal, um interrogatório foi transmitido ao vivo. Essa etapa marca a reta final da fase de coleta de provas. A Procuradoria-Geral da República acusa o ex-presidente Jair Bolsonaro de liderar o núcleo crucial da tentativa de golpe para mantê-lo de forma ilegal no poder. Segundo a PGR, além de Bolsonaro, fazem parte do grupo:
Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor da Abin, a Agência Brasileira de Inteligência;
Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha;
Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal;
Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional;
Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência;
Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
e Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e candidato à vice na chapa derrotada nas últimas eleições presidenciais.
Todos respondem pelos crimes de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Alexandre Ramagem teve as duas últimas acusações suspensas, por terem sido cometidas depois que ele foi diplomado como deputado do PL.
O plenário da Primeira Turma do STF ficou com uma disposição semelhante à de um tribunal do júri. Os réus ficaram lado a lado, acompanhados dos advogados. O único que acompanhou por videoconferência foi o general Braga Neto, preso no Rio de Janeiro.
Pela primeira vez desde que fez a delação premiada, Mauro Cid esteve junto com os outros réus e chegou a apertar a mão de Jair Bolsonaro antes do início do interrogatório.
Antes das perguntas, o ministro Alexandre de Moraes lembrou que todos os réus têm direito de permanecer em silêncio ao serem interrogados e reforçou que essa fase é o momento em que podem apresentar argumentos e versões sobre os fatos investigados.
Mauro Cid
Jornal Nacional/ Reprodução
O primeiro a falar foi o tenente-coronel Mauro Cid, o único obrigado a responder a todas as perguntas por ser o delator dos crimes. O interrogatório começou com as perguntas do relator, ministro Alexandre de Moraes. Nas respostas, Mauro Cid corroborou o que contou ao longo da delação premiada e afirmou, mais uma vez, que fez tudo de forma voluntária, sem pressão para falar. Mauro Cid afirmou que presenciou grande parte dos fatos narrados pela PGR na denúncia.
"Eu presenciei grande parte dos fatos, mas não participei deles", disse Mauro Cid.
Moraes quis saber se Mauro Cid confirmava a pressão de Bolsonaro sobre o general Paulo Sérgio Nogueira, então ministro da Defesa, em relação a um relatório sobre as urnas eletrônicas. O documento não apontou fraudes no sistema de votação.
Alexandre de Moraes: Jair Bolsonaro queria que o documento produzido fosse duro. O senhor confirma isso?
Mauro Cid: Sim, senhor.
Alexandre de Moraes: O senhor tem conhecimento que após a realização do primeiro turno e depois segundo turno, o hoje réu e então ministro da Defesa Paulo Sérgio, já estava com uma, não uma nota, com a conclusão feita por relatório da comissão feita e com reunião marcada para a entrega no Tribunal Superior Eleitoral e depois desmarcou essa reunião porque foi pressionado pelo então presidente Jair Messias Bolsonaro?
Mauro Cid: Sim, senhor.
Moraes também perguntou se Mauro Cid confirmava as reuniões de Bolsonaro com o então assessor Filipe Martins e um jurista, em que se discutiu a chamada minuta do golpe. O documento previa medidas contra a ordem democrática para reverter o resultado das eleições, como a instalação de um Estado de Sítio e prisão de autoridades. O tenente-coronel repetiu que o então presidente recebeu, leu e fez alterações no documento.
Mauro Cid: Foi umas duas ou máximo três reuniões. Talvez duas, em que foi levado esse documento ao presidente.
Alexandre de Moraes: Esse documento, o senhor disse que previa a decretação de prisão de determinadas autoridades. Quais seriam essas autoridades?
Mauro Cid: Ministro, basicamente vários ministros do STF, presidente do Senado, acho que presidente da Câmara não. Mas eram várias autoridades assim tanto do STF quanto do Legislativo.
Alexandre de Moraes: Também previa, o senhor disse, uma comissão eleitoral?
Mauro Cid: Sim, senhor.
Alexandre de Moraes: Essa comissão eleitoral, qual seria a função dessa comissão eleitoral?
Mauro Cid: Eu não me ative muito aos detalhes do documento, mas seria conduzir uma nova eleição baseada em uma eleição anulada, diria assim.
Alexandre de Moraes: Era conduzir uma nova eleição após a eleição já realizada?
Mauro Cid: Sim, senhor.
Alexandre de Moraes: O ex-presidente Jair Bolsonaro recebeu e leu esse documento?
Mauro Cid: Sim, senhor. Recebeu e leu.
Alexandre de Moraes: Ele fez algumas alterações no documento?
Mauro Cid: Sim, senhor. De certa forma, ele enxugou o documento. Ele enxugou o documento basicamente retirando as autoridades das prisões. Somente o senhor ficaria como preso. O resto, não.
Cid também confirmou que Bolsonaro apresentou esse documento aos chefes das Forças Armadas e detalhou conversas que teve com o então comandante do Exército, general Freire Gomes, sobre a posição do então comandante da Marinha, almirante Almir Ganier, em relação à tentativa de golpe.
“O general Freire Gomes tinha ficado muito chateado porque o almirante tinha colocado as tropas, a Marinha à disposição do presidente, mas que ele só poderia fazer alguma coisa com o apoio do Exército”, disse Mauro Cid.
A Primeira Turma do STF deu início, nesta segunda-feira (9), aos interrogatórios dos réus no julgamento sobre a tentativa de golpe de Estado
Jornal Nacional/ Reprodução
Além de Moraes, participaram do interrogatório o ministro Luiz Fux e o procurador-geral da República, Paulo Gonet. Os demais ministros da Primeira Turma enviaram juízes auxiliares. Paulo Gonet tratou do relatório do Ministério da Defesa sobre as urnas. Mauro Cid voltou a confirmar a tentativa de interferência de Bolsonaro:
“O general Paulo Sérgio tinha feito um documento não mais simples, mas um documento com uma conclusão muito mais técnica dizendo que não houve fraude. O presidente entendia que a conclusão tinha que ser mais dura, apontando que pode ter vindo fraude ou alguma coisa assim. Então houve, nesse período, essa discussão de como esse documento deveria sair, e que no final saiu meio termo. Não foi nem como o general Paulo Sérgio tinha inicialmente rascunhado, nem como, efetivamente, o presidente gostaria”.
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Mais para frente, ele voltou a tocar no assunto:
“O que a gente sempre viu ali era uma busca para encontrar fraude nas urnas e com a fraude na urna, de certa forma você poderia convencer os militares dizendo que foi fraudada”, disse Mauro Cid.
Alexandre de Moraes: Então, por isso a pressão realizada em relação ao ministro da Defesa, Paulo Sérgio?
Mauro Cid: Sim, senhor. Se fosse encontrada de alguma forma fraude nas urnas.
Defesa
Depois, foi a vez dos advogados de defesa. O primeiro, o do próprio delator. Cesar Bittencourt quis saber se Bolsonaro havia manifestado o desejo de se manter no poder.
"A grande preocupação do presidente sempre foi encontrar fraude nas urnas. Coisa que sempre foi muito ostensiva dentro da opinião do presidente. Então, ele sempre buscou uma fraude nas urnas", disse Mauro Cid.
As defesas de Ramagem e de Anderson Torres não fizeram perguntas.
O advogado de Almir Garnier, Demóstenes Torres, perguntou se Mauro Cid incluiu o almirante nos grupos radicais que pediam golpe. Mauro Cid confirmou.
Jair Bolsonaro e o advogado Celso Vilardi
Jornal Nacional/ Reprodução
Já o advogado do ex-presidente, Celso Vilardi, ressaltou que Cid era ajudante de ordens do então presidente e perguntou se Bolsonaro sabia de planos para os ataques de 8 de janeiro de 2023:
Celso Vilardi: No Palácio da Alvorada, ele ouviu algo? O presidente tinha alguma informação a respeito disso? Ele ouviu algum comentário, ele ouviu algum plano de incentivo ao ato de 8 de janeiro?
Alexandre de Moraes: Por favor.
Mauro Cid: Não, senhor.
O advogado perguntou se Bolsonaro tinha conhecimento dos planos apreendidos pela Polícia Federal para prender e matar o então presidente eleito Lula, o vice Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes.
Celso Vilardi: Sobre o punhal verde e amarelo, “Copa 22”, ele nunca comentou... Ele nunca conversou com o Presidente da República?
Alexandre de Moraes: O senhor conversou alguma vez com o presidente sobre isso?
Mauro Cid: Não, senhor. Até porque eu não tinha conhecimento.
Vilardi quis saber se Bolsonaro tomou alguma medida para incentivar as mobilizações na frente dos quartéis do Exército.
“Quando vinham esses grupos mais conservadores falar com o presidente, ele deu a seguinte resposta: 'Não fui eu quem chamei eles aqui, não sou eu que vou mandar eles embora'", disse Mauro Cid.
José Luiz de Oliveira, advogado de Braga Netto, perguntou sobre uma das declarações de Cid durante o interrogatório confirmando a delação, a de que o general enviou dinheiro em uma caixa de vinho para ser repassado a um integrante das forças especiais. A PF aponta que o dinheiro foi usado para financiar uma suposta ação contra Moraes.
José Luiz de Oliveira: Por que, Vossa Excelência, eu gostaria de saber do réu colaborador, ele demorou um ano e três meses para trazer esse fato ao juízo e a todas as pessoas desses autos?
Alexandre de Moraes: Pode responder.
Mauro Cid: Na minha cabeça, eu vi que era um dinheiro para tentar ajudar a trazer manifestantes para... Amigos, né, manifestantes para manifestação, para engordar a manifestação. Eu não levei para o lado que seria para tentar ou planejar alguma coisa.
Alexandre de Moraes: O senhor não acha relevante e acha normal um ex-ministro, candidato à vice-Presidência da República, entregar dinheiro dentro de uma caixa de vinho para manifestantes? Mesmo que não fosse ou eventualmente tivesse sido para uma operação para neutralizar alguém, isso seria normal?
Mauro Cid: Ministro, normal não seria, mas naquele contexto das manifestações na frente dos quartéis, muita gente vindo, muita gente apoiando... Eu não vi ali nada. Não vou dizer que não vi nada de mais. Mas como foi pedido ajuda, foi um amigo que pediu, tentei conseguir de alguma forma o que eu consegui dentro do meu conhecimento ali, mas eu não vi naquele momento como algo de hipótese criminal.
Jair Bolsonaro
Jornal Nacional/ Reprodução
Ainda no intervalo, Bolsonaro falou com jornalistas. A conversa foi gravada sem imagens. Jair Bolsonaro disse que não convocou o Conselho da República e que não vê motivo para se preparar para uma eventual prisão no caso de ser condenado.
"Não tem preparação para nada, não tem por que me condenar. Eu estou com a consciência tranquila. Quando fala, 'ah, assinar o decreto’. Não é assinar decreto, pessoal. Assinar um decreto de defesa, do sítio, o primeiro passo é convocar os conselhos da República e Defesa. Nem isso foi feito”, disse Jair Bolsonaro.
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Fonte: G1